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PESQUISADORES DA UNESPAR: entrevista com o Professor Doutor Jorge Leandro Delconte Ferreira

Pesquisa

por publicado: 14/02/2023 08h10 última modificação: 29/02/2024 14h47

O projeto “Pesquisadores da Unespar” tem como objetivo realizar uma série de entrevistas com pesquisadoras e pesquisadores da Unespar – campus de Campo Mourão, com o propósito de divulgar as pesquisas realizadas na instituição e debater temas relevantes para a sociedade. Iniciamos a série entrevistando o professor doutor Jorge Leandro Delconte Ferreira.

O professor Jorge Leandro Delconte Ferreira é graduado em Ciências Contábeis pela Fecilcam, mestre em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutor em Economia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Pós-doutor pela Université d'Auvergne (UdA), França. Está vinculado ao Colegiado de Ciências Contábeis, no campus de Campo Mourão da Unespar. Atua como pesquisador, com destaque para os seguintes temas: finanças públicas, políticas públicas, desenvolvimento municipal, planejamento estratégico e economia política. É autor de artigos científicos, capítulos de livros e do livro nominado: Auditoria Empresarial. Participa de eventos de abrangência internacional, nacional e regional. Atua em parceria com pesquisadores do Brasil e da França. Orienta monografia de especialização, trabalho de conclusão de curso e estudantes de iniciação científica. Foi o coordenador do trabalho: Mapeamento de Estrutura Produtiva, Setores Econômicos Estratégicos e Multiplicadores Setoriais para o Município de Campo Mourão.

 

ENTREVISTA

1) O professor realizou doutorado em Economia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), com período sanduíche na França e concluiu o Pós-Doutorado também na França. Quais foram os principais aprendizados com a experiência no exterior?

Entendo que há pelo menos três eixos que para mim foram muito recompensadores, quando penso nas experiências internacionais que tive.

Primeiramente, os saberes técnicos desenvolvidos ou aperfeiçoados, diretamente ligados às áreas que investiguei. Nesse aspecto, no meu primeiro pós-doutoramento, eu pude aprender muito sobre a dimensão econômica da descentralização fiscal como um elemento que afeta diretamente o desenvolvimento, sobretudo no aspecto local. Já na segunda ocasião que fiz um pós-doutorado, também na França, aprendi muito sobre a experiência

francesa da criação e gestão de moedas comunitárias complementares, ferramenta admirável para a promoção da consciência social e ambiental, sempre observada a dimensão local.

Em segundo lugar, importa destacar que o “fazer ciência” é, em última instância, uma prática social. Como tal, há características muito peculiares da forma como as pessoas se organizam e produzem conteúdo científico, considerado o meio em que vivem. No meu caso específico, eu pude aprender bastante sobre o modo francês de fazer ciência. Acredito que cada nação tenha aspectos muito particulares, muito “seus”, de produzir e disseminar conhecimento científico; isso não significa que sejam melhores ou piores os mecanismos de funcionamento desta ou daquela nação, quando se trata de ciência; são apenas diferentes (o que, obviamente, não representa vantagens ou desvantagens em termos de validade do conhecimento produzido; trata-se apenas de características particulares - e que por vezes auxiliam a entender melhor o quê, como, por quais razões e para quais finalidades deu-se uma dada produção científica).

O terceiro e último (mas não menos importante) aspecto que eu gostaria de ressaltar é de ordem mais pessoal. Nós nos organizamos para que pudéssemos fazer essa experiência internacional em família: Minha esposa e meus filhos se juntaram a mim durante o período em que estive fazendo doutorado sanduíche e pós-doutorados na França. Os aprendizados em termos de história, de cultura, de compreensão de outros pontos de vista, e diversos outros aspectos, foram riquíssimos, não apenas para mim, mas para minha família como um todo.

Não apenas por uma delas, mas pelo conjunto das três dimensões citadas acima, eu recomendo fortemente às pessoas que criem suas oportunidades para viver por algum período em outro país. Destaco um aspecto importantíssimo nessa sugestão acima: Eu falei em criar a sua oportunidade, e não em aproveitar as oportunidades que surgirem (sutileza que fez toda a diferença para mim).

 

2) O professor vem pesquisando temáticas que envolvem o desenvolvimento regional já faz algum tempo. Na sua avaliação quais são os desafios para o desenvolvimento em Campo Mourão?

Entendo que a região de Campo Mourão compartilha um desafio bastante recorrente no Brasil: há quem diga que o desenvolvimento se faz com pessoas; eu prefiro ser um pouco mais contundente: As pessoas não são apenas o meio pelo qual é promovido o desenvolvimento; é na interação humana que nascem as concepções, estratégias e projetos de desenvolvimento, e é fundamental um olhar para as pessoas como destinatários, alvos das ações e políticas públicas,

quando se pensa desenvolvimento. Em suma, as pessoas são o começo, o meio e o fim (finalidade) do desenvolvimento.

Dito isso, o maior desafio para a promoção do desenvolvimento na região de Campo Mourão eu entendo ser a promoção do capital humano, em todos os seus níveis e dimensões. Evidente que isso passa pela educação (básica, técnica, superior, pós-graduação), mas vai muito além disso. Promover o capital humano precisa ser uma escolha, e não apenas dos formuladores de políticas públicas, mas da sociedade como um todo (incluídos aí o primeiro, o segundo e o terceiro setor, mas também setores como o 2.5 por exemplo – também chamado de negócios de impacto social).

 

3) Com base nas pesquisas que tem realizado quais são as áreas em que Campo Mourão tem maior potencial de crescimento?

A partir principalmente de um projeto que eu coordenei, orientado a investigar a estrutura das cadeias produtivas de Campo Mourão e municípios próximos, foram identificadas diversas cadeias produtivas significativamente densas, com características propulsoras (ou seja, voltadas para mercados externos a Campo Mourão). Dentre essas cadeias produtivas foram selecionadas três, para serem alvo de projetos orientados ao adensamento vertical e/ou horizontal: cadeias produtivas da soja, da proteína de aves e de máquinas e equipamentos eletromédicos. A priorização não significa dizer que outras áreas não tenham potenciais interessantes de crescimento, mas sim que a “grande Campo Mourão” tem diferenciais competitivos importantes nessas cadeias produtivas priorizadas.

Outro aspecto importante destacar é que quando se fala em cadeia produtiva é possível identificar negócios à montante (“antes”) e à jusante (“depois”) do principal elo da cadeia, bem como atividades de prestação de serviço que orbitam em torno da cadeia. Um exemplo bastante interessante é o de serviços educacionais ou o de pesquisa aplicada; ambos apresentam um potencial de crescimento muito grande e evidentes possibilidades de interação com o setor produtivo, mas não estão circunscritos a uma cadeia produtiva específica.

 

4) Qual o papel das transferências constitucionais da União e do Estado para os municípios da nossa região?

As transferências constitucionais são aquelas obrigatórias, dentre as quais destacam-se o Fundo de Participação dos Municípios – FPM e a cota parte de ICMS. Embora os municípios possuam dezenas de fontes de receitas diferentes, o FPM e o ICMS não raro respondem por mais de 50% da receita de uma localidade.

Por um lado, isso significa uma elevada dependência dos municípios por recursos externos (ou seja, repasses constitucionais que tem origem nos governos federal e estadual). Por outro lado, tais repasses têm seus mecanismos ancorados na Constituição Federal e em um conjunto de leis bem definidas; isso significa dizer que a previsibilidade dessas receitas é elevada, garantindo assim certa estabilidade orçamentária e financeira para os municípios.

Adicionalmente, também é possível perceber espaços para que os municípios façam política fiscal ativa, ou seja, planejem ações e implantem estratégias para que no longo prazo possam ampliar sua participação em transferências constitucionais, fortalecendo assim a possibilidade de executar políticas públicas locais mais eficientes, abrangentes e, acima de tudo, inclusivas.

 

5) Na nossa região a pobreza ainda atinge uma parcela significativa da população. Quais ações devem ser priorizadas para reduzir as desigualdades sociais?

Entendo que a prioridade é compreender a desigualdade social na nossa região: como ela se manifesta, quais os fatores que permitem compreendê-la, como ela se desenvolveu e se instalou ao longo do tempo, que mecanismos implicam na sua replicação, de que maneira as políticas públicas atuais (de saúde, educação, qualificação profissional, assistência social, construção do orçamento público, dentre outras) endereçam adequadamente a questão ou a tangenciam. E essa é uma contribuição real e concreta que programas como o PPGSeD podem perfeitamente aportar.

A ideia básica por trás disso é que toda intervenção na realidade que é ancorada em uma adequada compreensão de um problema tem suas possibilidades de sucesso multiplicadas.

Um aspecto adicional muito importante, e para o qual o PPGSeD também pode contribuir profundamente, diz respeito à avaliação de projetos e de políticas públicas. A avaliação é um componente essencial para que se possa identificar não apenas o que está dando certo, mas também o que precisa ser aperfeiçoado.

Apenas para citar um exemplo, a melhora na distribuição de renda (seja por meio de programas de transferência direta, por mecanismos de estímulo ao empreendedorismo, por estratégias de qualificação e inserção profissional, ou por todas essas coisas juntas) gera um impacto importantíssimo na velocidade das trocas comerciais; mais importante do que o volume de dinheiro em uma economia é a velocidade com que ocorrem as trocas comerciais.

Em resumo, entendo que as prioridades devem ser: a) compreender a fundo o problema da desigualdade social; b) avaliar adequadamente projetos e políticas públicas, buscando o aperfeiçoamento e a replicação de boas práticas.

 

6) Por fim, quais dicas o professor daria para que tem interesse em se tornar um(a) pesquisador(a).

Para bem trilhar o caminho da pesquisa científica, entendo serem necessárias algumas características peculiares, tais como: a curiosidade científica sempre viva (perguntar e perguntar-se: Por quê? Como era? De que forma acontece? Como seria se...?), a disposição para estudar e para aprender sempre (a formação para a pesquisa nunca acaba, dado que a ciência é baseada sempre em verdades provisórias), o profundo respeito pelas pessoas envolvidas direta ou indiretamente em uma pesquisa, o desejo de encontrar formas de fazer do mundo um lugar melhor (preferencialmente, se for através da melhoria de vida das pessoas, sobretudo daquelas que mais precisam – não só em termos econômicos, mas também na dimensão social, ecológica, de conhecimento, etc.).

Veja que nenhum desses elementos que eu citei implica conhecimentos ou habilidades específicas, mas atitudes. O genuíno desejo, e a ação decidida, me parecem ser mais importantes a alguém que deseje ser pesquisador, do que o conhecimento deste ou daquele conceito, desta ou daquela metodologia; não que essas não sejam importantes; é que sem a atitude, o domínio de conceitos ou metodologias produz um resultado comparável ao de uma bicicleta ergométrica: depois de pedalar muito tempo, você olha ao redor e vê que não se moveu um passo sequer.