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PESQUISADORES DA UNESPAR: entrevista com o Professor Doutor Everton José Goldoni Estevam

Pesquisa

por publicado: 27/06/2023 14h32 última modificação: 29/02/2024 11h12

O projeto “Pesquisadores da Unespar” tem como objetivo realizar uma série de entrevistas com pesquisadoras e pesquisadores da Unespar – campus de Campo Mourão, com o propósito de divulgar as pesquisas realizadas na instituição e debater temas relevantes para a sociedade. Neste mês o entrevistado é o professor doutor Everton José Goldoni Estevam.

O professor doutor Everton José Goldoni Estevam é Licenciado em Matemática e Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP e Doutor em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Realizou período de doutorado sanduíche no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, em Portugal. Atua como professor e pesquisador na Unespar e, desde 2019, é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – PRPGEM, respondendo pela coordenação no período de abril de 2019 a junho de 2023. Entre os seus principais temas de pesquisa estão: formação de professores que ensinam Matemática; práticas pedagógicas e formativas; e Educação Estatística. Publicou mais de 30 artigos em periódicos, tem três livros publicados e mais de dez capítulos de livros. Participa ativamente de eventos nacionais e internacionais cuja temática é a Educação Matemática, além de ações e movimentos da Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM, com enfoque no GT12 de Educação Estatística. 

 

ENTREVISTA

1) Para alguns estudantes das escolas brasileiras, a Matemática é vista como uma disciplina muito difícil. Isso ocorre existe um bom tempo. Esse receio também contribui para um desempenho insuficiente no PISA. O que explica esta visão equivocada da Matemática?

Bem, há diversos aspectos que merecem ser ponderados para lidar com a questão, muitos dos quais não sou especialista e não realizo pesquisas, como o desempenho de estudantes em avaliações de larga escala, como o PISA, o contexto político-social brasileiro e o próprio desenvolvimento histórico da Educação e da Educação Matemática, no Brasil e no mundo. Dessa forma, sem qualquer pretensão de oferecer uma resposta global à questão, vou me restringir a abordar aquilo que venho acompanhando, como professor e pesquisador, e minhas impressões sobre o ensino de Matemática na Educação Básica. Para mim, além dos aspectos referidos, boa parte da dificuldade dos estudantes está relacionada com a pouca compreensão de conceitos, relações e ideias matemáticas e, por conseguinte, com as práticas realizadas para abordar esses aspectos em sala de aula, as quais sustentam as próprias crenças, imagens e concepções construídas sobre o que é - e o que não é - matemática. Por exemplo, como um dos meus enfoques de pesquisa é a Educação Estatística, ao se questionar estudantes da educação básica (mas também adultos e estudantes do ensino superior) sobre o que é média aritmética, e bastante comum a obtenção de respostas que se reduzem ao procedimento de cálculo para determinar o valor que representa a média aritmética, mas poucos são os elementos que explicitam uma compreensão conceitual de média aritmética. Por outro lado, adicionar valores e dividir pela quantidade de valores adicionados (procedimento de cálculo da média) são procedimentos aritméticos e pouco ou nada contribuem para que se compreenda, por exemplo, a média como o valor que torna a distribuição de dados equitativa, equilibrando a variação desses dados e, portanto, com potencial para representar este conjunto de dados como uma medida resumo. Assim, conduz-se a equívocos como, por exemplo, ao não reconhecimento da diferença entre média aritmética simples e ponderada em situações em que os cálculos são semelhantes, mas cuja influência que cada dado exerce no valor final não o é. Isso é bastante comum nos contextos escolares quando, por vezes, acredita-se que se pode fazer média de média, sem qualquer implicação (exemplo: determinar a média final de um aluno a partir de suas médias bimestrais, sem ponderar se a quantidade de avaliações/notas nos bimestres foi ou não a mesma. Uma discussão interessante sobre isso pode ser encontrada na dissertação de Brandelero). Com base neste exemplo, decorrem duas situações: o desenvolvimento de um conhecimento limitado, quase que mecânico, que associa a Matemática à realização de cálculos na busca por uma resposta; e a perda da beleza da matemática e do desenvolvimento do raciocínio abstrato que perpassa todo o desenvolvimento socio-histórico desta ciência.

Contudo, como referi as práticas pedagógicas como fortemente influenciadoras deste processo, é preciso demarcar que não se trata de culpabilizar uma vez mais o professor pela situação, muito pelo contrário. O professor é vítima de uma formação inicial e continuada aligeirada e, por vezes, dissociada da profissão, além de lidar com um currículo cada vez mais engessado, incluindo mais recentemente a imposição de certas práticas e dinâmicas, que desconsideram a realidade da escola e pouco ou nada colaboram para avanços no ensino de Matemática, particularmente. Estes aspectos se associam a outros tantos de natureza política, social, econômica, sanitária, etc. que conferem condições degradantes ao trabalho de professores, que operam verdadeiros milagres no cotidiano profissional com as condições de que dispõem.

Dessa forma, o que julgo pertinente chamar a atenção em relação à questão apresentada é que a dificuldade expressa pelos alunos (seja em sala de aula, no discurso corriqueiro, ou nas avaliações de larga escala, como o PISA) é apenas a ponta de um enorme iceberg, que esconde, intencionalmente, as inúmeras dificuldades e falta de condições com as quais o professor precisa lidar em sua prática e formação. Assim, a mudança não reside na implementação de plataforma tecnológicas caras e que não conferem qualquer prática diferenciada para o ensino, ou no estabelecimento de normativas que conferem à profissão docente uma dimensão técnica. É preciso reconhecer e estabelecer políticas públicas efetivas que incidam na estrutura deste iceberg, não naquilo que se evidencia apenas. É preciso incentivar que jovens queiram ser professores e, para tanto, é essencial a valorização da profissão e da carreira docente. É preciso prezar pela formação de professores, com qualidade e componentes que reconheçam e problematizem a complexidade e a particularidade do conhecimento necessário à pratica pedagógica, articulando teoria e prática. É preciso condições de trabalho adequadas e formação continuada, de fato, condizente com as demandas da prática do professor. Enfim, é preciso reconhecer que a Educação é para a cidadania e não para índices. Que se reconheça a matemática como prática social e não como a busca por respostas e cálculos sem sentido. Quaisquer ações que não reconheçam tais aspectos são curativos para fraturas expostas. Podem até estancar o sangue por algum tempo, mas apenas mascaram e protelam o real problema.

2) O professor coordenou recentemente projeto de pesquisa financiado pelo CNPq envolvendo o Ensino Exploratório de Matemática. Em que sentido essa perspectiva tem potencial para colaborar para avanços relacionados ao ensino e à aprendizagem de Matemática?

O Ensino Exploratório de Matemática tem suas bases no movimento internacional do Inquiry Based Education (IBE), fortemente influenciado pelo National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), que se desdobra também em outras perspectivas, como Inquiry Based Teaching (IBT) ou Inquiry Based Learning (IBL). Independente da diversidade de denominação, perspectivas dessa natureza referem formas de ensino centradas no aluno, cujos raciocínios são focalizados valendo-se de práticas em que os estudantes levantam questões, exploram situações e desenvolvem caminhos próprios para resolução.

Dessa forma, o Ensino Exploratório inverte a lógica presente nas aulas tradicionais, comumente iniciadas pela apresentação da teoria, seguida de exemplos que servem de base para a resolução de exercícios de aplicação ou, por vezes, apenas de reprodução. Nessas práticas, geralmente há pouco espaços e fomento a discussão e problematização, e as ações comunicativas privilegiam perguntas do professor em busca de respostas dos alunos. Em contraposição, a perspectiva exploratória advoga que a teoria emerge de uma ação reflexiva, questionadora, investigativa, compartilhada e fundamentada para estabelecer os elementos de base para sistematização teórica, cujo sentido se constrói em processos dialógicos de negociação de significados.

Admite-se, portanto, a sala de aula como um ambiente de interação entre os alunos, entre o professor e os alunos, e entre eles e o conhecimento matemático, na busca de um entendimento comum. Neste sentido, práticas de Ensino Exploratório de Matemática são orientadas por uma perspectiva de inquiry, pelos princípios de investigação, que se articula à reflexão, comunicação e colaboração para ancorar as ações em sala de aula, de alunos e do professor.

Nesse sentido, favorece-se uma aprendizagem com significado, com a responsabilização dos alunos sobre as ideias emergentes, as quais são sistematizadas a partir de discussões coletivas e negociações de significados. O Grupo de Estudos sobre Prática e Tecnologia na Educação Matemática e Estatística – GEPTEMatE, do qual sou um dos líderes, tem desenvolvido diversos estudos e materiais para este tipo de prática, os quais estão disponível no site do grupo, no endereço https://prppg.unespar.edu.br/geptemate.

3) Entre as suas muitas pesquisas realizadas, é nítido um enfoque para a formação de professores que ensinam Matemática na Educação Básica. O que os resultados das pesquisas têm demonstrado?

De fato, tenho me dedicado à investigação sobre formação de professores que ensinam Matemática, com enfoque nas práticas formativas e nas práticas pedagógicas desenvolvidas por professores e futuros professores. Neste sentido, os estudos têm aderência com os apontamentos de Cochram-Smith e Lytle (1999), que reconhecem que os professores aprendem e produzem conhecimentos relevantes na prática, mediante reflexão na ação e sobre a ação de ensinar e aprender, particularmente por meio da investigação da própria prática e constituindo comunidades investigativas. Trata-se nomeadamente de pesquisar com os professores e futuros professores ao invés de pesquisar sobre professores. A formação inicial – ao articular disciplinas e práticas na escola – e a formação continuada – orientada por princípios colaborativos – ainda que não sejam suficientes, mostram-se como espaços essenciais para a constituição e reconstituição da prática docente, uma vez que permitem pensar e repensar aspectos centrais, como as tarefas propostas aos estudantes, os recursos empregados nas aulas, o papel do professor e o do aluno. Os conhecimentos mobilizados nesses espaços se articulam às experiências dos professores advindas desde a Educação Básica, perpassando os cursos de Licenciatura e se relacionando com formações continuadas, que promovem reflexões e problematizações de dilemas decorrentes da prática letiva. Ao evidenciar a forte articulação dessas aprendizagens com experiências advindas de contextos espaço-temporais diversos, as quais, por vezes, sustentam crenças e concepções de professores e seus respectivos desdobramentos na prática que realizam, faz sentido considerar que aprendizagem profissional docente não se restringe a aspectos cognitivos, mas revela fortes influências sociais, conferindo centralidade ao mundo social dos professores e às práticas que nele desenvolvem para a compreensão de sua aprendizagem profissional. É por isso que temos trabalhado em perspectivas formativas que assumem contextos de comunidades profissionais como espaços promissores para a formação de professores e elementos da prática como pontos de enfoque das ações que orientam os programas de formação que promovemos, focalizando aspectos diversos de corpo multifacetado que constitui a prática de ensinar e aprender Matemática, desde a infância até o ensino superior. Nestes contextos, assumimos que a aprendizagem do professor reside nas mudanças nos padrões das práticas que realiza e nos sentidos que conduzem seus dizeres e fazeres.

4) O professor atualmente está coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – PRPGEM. Quais são as contribuições do referido Programa para a região de Campo Mourão?

O curso de Mestrado em Educação Matemática do PRPGEM já formou mais de 40 mestres e mestras desde sua implantação. Assim, certamente, a contribuição imediata que se pode referir consiste na formação de profissionais qualificados, em nível de pós-graduação stricto sensu, para lidar com a Educação Matemática nas diversas esferas em que atuam, desde escolas da Educação Infantil até o Ensino Superior, passando por Secretarias Municipais e Núcleos Regionais de Educação. Isso inclusive está alinhado ao Plano Nacional de Educação e aos indicativos da Capes sobre a importância da interiorização da Pós-Graduação. Essa formação abarca os enfoques das linhas de pesquisa do PRPGEM que relevam a formação de professores, a didática da Matemática, a educação inclusiva, a tecnologia, práticas inovadoras e elementos particulares e transversais relacionados a ensinar e aprender Matemática, considerando cenários e demandas locais, regionais, nacionais e internacionais. Neste sentido, uma das contribuições do programa envolve a aproximação entre universidade e Educação Básica, uma vez que a escola figura como contexto privilegiado das pesquisas desenvolvidas, seja direta ou indiretamente. É importante salientar, portanto, que diversas das práticas conduzidas nas pesquisas desenvolvidas no PRPGEM abarcam estudantes, futuros professores, professores e gestores envolvidos com a Educação Matemática, muitas das quais inclusive formalizadas como ações extensionistas. Dessa forma, o impacto social dessas ações alcança um público muito maior do que os egressos do mestrado, porque envolvem turmas e grupos diversos. Neste sentido, um dos aspectos discutidos no Seminário de Autoavaliação do PRPGEM, realizado no último dia 1º, referiu o estabelecimento de procedimentos sistemáticos para reconhecer informações mais precisas sobre essas ações e sobre aquelas depreendidas pelos egressos do PRPGEM.

5) O professor realizou doutorado em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina – UEL com período sanduíche na Universidade de Lisboa. Quais foram os aprendizados com a experiência no exterior e qual a importância da internacionalização?

A experiência de um intercâmbio no exterior durante o doutoramento foi única e enriquecedora em múltiplos sentidos. Primeiramente, pela possibilidade de dialogar e estudar com pesquisadores que me eram/são referências em alguns sentidos. Segundo, por ter acesso a repositórios de pesquisa que, infelizmente, ainda são de difícil e caro acesso no Brasil e as universidades europeias possuem acordos que permitem comunicação com o que se produz mundialmente. Terceiro, pela possibilidade de estabelecer parcerias que perduram até hoje, com a realização de trabalhos em cooperação, como é o caso das pesquisas que continua a realizar com a Profa. Hélia Oliveira, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Por fim, porém não menos importante, certamente a possibilidade de conhecer culturas, pessoas, lugares, histórias distintas nos torna seres humanos melhores, mais conscientes, especialmente em se tratando de um país do qual fomos colônia. Neste sentido, a experiência permitiu também oferecer aos portugueses uma percepção de que não estamos a ser colonizados cientificamente, mas produzimos conhecimento assim como eles, partindo e situando nossas ações na realidade diversa e rica que caracteriza o Brasil.

Em termos de internacionalização, trata-se de um termo amplamente presente nas discussões em pesquisa nos últimos anos, não somente no Brasil. Vejo diversas possibilidades de ações, e certamente o intercâmbio é uma das mais intensas. Entretanto, penso que devemos interpretar a internacionalização como a possibilidade de diálogo entre aquilo que produzimos em nosso país com a comunidade científica internacional. Com isso, constrói-se possibilidade para disseminarmos os belíssimos trabalhos que temos realizado, assim como para ampliar as interlocuções da comunidade de pesquisadores brasileiros com a comunidade mais ampla. Isso é o que tem orientado minha prática nos últimos anos. Portanto, diversas são as ações que constituem internacionalização: parcerias internacionais de pesquisa, publicações em periódicos internacionais e em outras línguas, participação em eventos e grupos internacionais, recebimento de pesquisadores internacionais, discussões de textos internacionais, etc.