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PESQUISADORAS DA UNESPAR: entrevista com a Professora Doutora Larissa de Mattos Alves

Pesquisa

por publicado: 18/04/2023 16h24 última modificação: 29/02/2024 14h45

A professora Larissa de Mattos Alves é bacharel em Turismo e Meio Ambiente pela Fecilcam, mestre e doutora em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Está vinculada ao Colegiado de Turismo, no campus de Campo Mourão da Unespar.   É líder do Grupo de Pesquisa GETUR (Grupo de Estudos em Turismo) e participa da Rede Nacional de Pesquisadores de Pequenas Cidades. As suas principais áreas de interesse são: Desenvolvimento, Planejamento e Políticas de Turismo e Turismo em pequenas localidades. Orienta pesquisa de Especialização, Trabalho de Conclusão de curso e iniciação científica. Também atua como coordenadora local do Núcleo de Pesquisa Multidisciplinar (Nupem). 

ENTREVISTA

1) Quando se fala em turismo, muitas pessoas associam a palavra apenas com o lazer, porém o turismo é muito mais amplo e complexo do que isso. Quais atividades fazem parte do turismo?

Popularmente, o uso da palavra turismo está, realmente, associado a viagens em busca de lazer, descanso e diversão. Contudo, econômica e academicamente o turismo é um fenômeno mais complexo.

Em linhas gerais, são consideradas turísticas as viagens com mais de 24 horas, por diversificadas motivações, como tratamento de saúde, visita a amigos e parentes, negócios e convenções, entre outras. O lazer é apenas umas das incontáveis motivações das viagens turísticas, tratá-los como sinônimo reduz a compreensão desta atividade.

Economicamente, as viagens turísticas movimentam muito mais que os tradicionais serviços de transporte, alimentação e hospedagem. Seus efeitos se estendem para toda a cadeia produtiva necessária para atender às pessoas em deslocamento, na sua origem, durante o percurso e no destino. Por isso, em destinos turísticos observamos a dinamização de grande parte da economia da cidade com o abastecimento dos equipamentos turísticos e com o consumo dos visitantes no comércio local, além de setores como, construção civil, fábricas de mobiliários e enxoval para hotéis, eventos e restaurantes, abastecimento e manutenção de veículos.

Enquanto área de atuação profissional e de pesquisa, o turismo se mostra ainda mais complexo por voltar-se à compreensão das demandas sociais coletivas. O turismo, enquanto objeto de estudo ou área de atuação profissional, volta sua atenção às sociedades envolvidas e a todos os serviços públicos e privados relacionados ao atendimento dos viajantes, mas também aos aspectos de lazer, entretenimento, bem estar, hospitalidade, alimentação, eventos, planejamento e gestão de recursos naturais e culturais de interesse turístico, que envolvem diretamente os interesses dos moradores dos destinos.

 

2) A pandemia de Covid-19 ocasionou a necessidade de afastamento social presencial com a finalidade de conter a disseminação do vírus. Isso impactou profundamente o setor de turismo. Como o setor está reagindo? A procura aumentou em 2023?

As restrições de deslocamento impostas pelos protocolos de prevenção e controle dos contágios trouxeram um impacto imediato e duradouro no setor turístico, enquanto os auxílios às empresas e aos trabalhadores foram tardios e insuficientes.

Além dos problemas de ordem social que atingiram toda a população, problemas essencialmente econômicos como o desemprego e a diminuição do poder de compra, de ampla parcela da população, fizeram com que os serviços turísticos fossem os últimos a voltar para as prioridades de consumo das famílias, em especial os eventos e os deslocamentos relacionados ao lazer e ao entretenimento.

Por outro lado, o período de isolamento social estimulou a valorização e um desejo por momentos de lazer em espaços abertos e juntos à natureza. Desde a flexibilização dos protocolos de segurança, observamos a crescente busca por bens e serviços ligados ao lazer, entretenimento e práticas esportivas em áreas verdes.

Os números do setor crescem se aproximando dos patamares pré pandemia. Mas, além do crescimento, observamos a busca por novas ações voltadas aos novos cenários e, nesse sentido, os desafios ainda são imensos, exigem estudos, pesquisa e a qualificação dos profissionais, produtos e serviços ligados ao turismo. A mencionada falta de assistências das políticas governamentais ao setor fez com que muitos profissionais deixassem o turismo para atuar em outra atividade econômica. Como consequência, é urgente a diversificação e requalificação dos profissionais, dos produtos e dos serviços ligados ao lazer, entretenimento e viagens.

 

3) Como o turismo pode contribuir para o desenvolvimento de um município?

Desde 2004, tenho me dedicado sobre o turismo enquanto estratégia de desenvolvimento local. As reflexões realizadas nesses anos de pesquisa evidenciaram que o turismo tem se consolidado como uma estratégia de desenvolvimento adotada por diversos municípios, inclusive na região de Campo Mourão.

Iniciativas públicas e privadas de municípios de diferentes portes demográficos têm investido no turismo como estratégia de desenvolvimento local, motivados especialmente pelos famosos efeitos positivos atribuídos à atividade turística, como a geração de empregos e renda. Em alguns municípios da nossa região, por exemplo, os empregos formais do turismo chegam a representar quase 30% de todos os empregos locais, o que se desdobra uma massa salarial capaz de dinamizar o comércio e os serviços locais. A empregabilidade gerada pelo turismo em serviços de hospedagem, eventos, entretenimento, transporte e alimentação são expressivos e se tornam mais impressionantes quando adicionamos os empregos informais, temporários e os indiretos necessários para abastecer os serviços turísticos.

Além dos empregos, outros diversos benefícios econômicos podem ser atrelados ao turismo como a aumento do número de empresas de pequeno e médio porte, dinamização no comércio e dos serviços, a ampliação da qualidade e diversidade de serviços voltados à alimentação, eventos e entretenimento, que atendem também aos anseios da comunidade local. A ampliação dos negócios turísticos se desdobra na arrecadação de impostos locais e pode possibilitar o acesso a recursos públicos da esfera federal e estadual para a implantação de infraestrutura de apoio ao turismo.

Além desses benefícios econômicos imediatos e evidentes, são diversas as implicações positivas do turismo nos aspectos socioambientais. Em cidades turisticamente dinamizadas, observa-se a ampliação da qualificação profissional e da escolaridade dos moradores locais, por meio de cursos técnicos oferecidos por organizações do terceiro setor, cursos superiores ofertados por instituições de ensino e capacitações oferecidas nas empresas turísticas. A conservação da natureza e a valorização da cultura local são compromissos indispensáveis para a qualidade de um destino turístico, visto que a atratividade turística de uma localidade se sustenta, via de regra, sobre suas belezas naturais e peculiaridades culturais.

Quando a gestão do turismo pauta-se na participação social, articulando agentes públicos, privados e a sociedade civil organizada, as implicações positivas superam o crescimento econômico concentrado e ampliam-se para aspectos socioambientais que contemplam toda sociedade local. Quanto maior for o engajamento coletivo de grupos sociais na tomada de decisão, mais amplos e justos serão seus efeitos.

Sem a participação ativa da sociedade local, o turismo tende a responder unicamente aos interesses econômicos dos grandes investidores públicos e privados, restando aos moradores locais as implicações negativas que a atividade, inegavelmente, vai trazer, como poluição ambiental, descaracterização sociocultural, subempregos, aumento dos preços e congestionamento dos serviços públicos, por exemplo.

Por fim, é importante ressaltar que não é adequado depositar no turismo toda a responsabilidade da geração dos empregos necessários e dinamização econômica para suportar o desenvolvimento local. A diversificação econômica têm se mostrado uma estratégia eficiente para o desenvolvimento municipal. 

 

4) A professora tem pesquisado as contribuições do turismo em pequenos municípios do Estado do Paraná. Apoiar as iniciativas direcionadas para o turismo em pequenos municípios é uma estratégia para promover o desenvolvimento?

Sim! Iniciativas voltadas aos pequenos municípios são importantes estratégias para o desenvolvimento regional. Isso se aplica não só ao turismo, mas a qualquer outra estratégia de desenvolvimento socioeconômico e os resultados positivos de tais iniciativas atingem não só nas pequenas localidades, como também podem amenizar a externalização de problemas para centros urbanos maiores.

Observamos que a estrutura das metrópoles brasileiras se deteriora na mesma proporção que cresce a concentração populacional, e as promessas de emprego nem sempre se concretizam. As cidades médias, neste contexto, buscadas como alternativa, começam a passar pelas mesmas dificuldades para atender às demandas geradas pelo aumento da população. Nas extremidades das redes urbanas, muitos municípios de pequeno porte demográfico passam por perdas populacionais, economia estagnada, além de poucas opções de trabalho, lazer e entretenimento para a população.

Diante desse cenário preocupante, o desenvolvimento regional exige alternativas de dinamização socioeconômica e, nesse sentido, o turismo pode se colocar como uma atividade econômica estratégica. Novas dinamizações econômicas, através do turismo ou de outra especialidade produtiva, exigem trabalhadores, produtos, serviços e equipamentos diferenciados e imprimem novas funções aos pequenos municípios, compensando suas fragilidades políticas e socioeconômicas, trazendo melhorias nas condições sociais dos seus moradores.

Parte da pesquisa, em desenvolvimento desde 2014, volta-se a análises e comparações entre municípios turísticos de diferentes portes demográficos paranaenses. Verificamos que investimentos, públicos e privados, concentram-se nas cidades grandes, ficando as pequenas localidades às margens desse processo. As ações de incentivo ao desenvolvimento municipal são, grande parte das vezes, concentradas em destinos turísticos consolidados de metrópoles e regiões litorâneas.

Ainda que as reflexões tecidas acerca indiquem desproporcional atenção das políticas públicas às demandas dos pequenos municípios, parece que discretamente crescem, ainda que em menor proporção, os investimentos públicos de interesse turístico, via convênio com o governo federal, que chegam aos pequenos municípios. Ainda que lentamente, identificamos novas direções dos investimentos públicos, do capital local e dos fluxos de visitantes.

Os casos estudados nos últimos anos indicam que o papel da sociedade na condução do processo de desenvolvimento é determinante para que o turismo tenha amplos alcances nas perspectivas econômicas e socioculturais. Outra iniciativa evidente nos pequenos destinos turísticos desenvolvidos são os investimentos em educação, cultura, diversificação econômica e inovação. Nos exemplos estudados, percebemos que os pequenos municípios, nos processos de redefinição da rede urbana, podem despontar como expressões de centralidade na oferta de atividades ligadas à criatividade, natureza, cultura e turismo, e contribuir no desenvolvimento regional.

 

5) O turismo é um setor em expansão e muitos jovens têm demonstrado interesse pela atividade. O que um estudante irá encontrar no curso de Turismo da Unespar em Campo Mourão?

Como mencionado em questão anterior, nos últimos anos, a relação da sociedade com o lazer, entretenimento, bem estar e tecnologias tem mudado. As organizações, públicas e privadas, também começam a se adaptar para atender a esses novos hábitos e demandas sociais.

A proposta pedagógica pensada para o curso de turismo é resultado de detalhados estudos que consideraram o contexto regional, o perfil dos nossos estudantes, a demanda por profissionais no setor e diversos debates com a academia e sociedade.

O curso de Turismo tem 23 anos de existência e sua matriz curricular passou por diversos ajustes, desde então. A versão mais recente iniciou em 2021 e já tem novas atualizações para o ano de 2023. O curso agora é semestral, o que torna as disciplinas mais curtas e mais dinâmicas e pode ser finalizado em três anos. Além disso, o último semestre está reservado para as práticas de estágio e pesquisa, permitindo que os alunos trabalhadores possam realizar seus estágios no período noturno ou que se desloquem para realizar estágio em outros destinos turísticos, antecipando sua interação com o mundo do trabalho.

Entre seus objetivos, o curso propõe a formação de profissionais criativos, com reflexão crítica e habilidades necessárias para o desenvolvimento de ações de “impacto social e de pesquisas capazes de subsidiar ações e decisões socialmente justas, economicamente viáveis e prudentes no aproveitamento dos recursos naturais e culturais de interesse turístico”. Para isso, as atividades práticas, visitas técnicas, aulas de campo e viagens de estudos fazem parte do aprendizado acadêmico.

A formação no Curso de Bacharelado em Turismo é organizada em três eixos principais: eixo 1 - Meio Ambiente Natural e Cultural, eixo 2 - Segmentos do Turismo e eixo 3 – Investigação Científica.

O primeiro eixo garante a formação pautada no compromisso com a proteção e valorização dos recursos locais e com disciplinas que habilitam os estudantes para manejar tais recursos, como por exemplo Cultura e Patrimônio, Turismo em áreas naturais, Turismo de base comunitária e Ecoturismo. O segundo eixo – Segmentos do Turismo - volta-se a inovação, gestão e qualificação dos equipamentos, serviços e atrativos turísticos, com aulas voltadas ao desenvolvimento de habilidades específicas em hotelaria, organização de eventos, gastronomia, lazer e recreação, agenciamento e transporte, entre outros. O terceiro eixo garante à reflexão crítica por meio da realização de pesquisas científicas de impacto social, contemplando disciplinas como Pesquisa Científica, Redação Científica e seminário de projetos e pesquisas, por exemplo.

O turismo, por ser tão amplo e tão complexo, acaba, enquanto atividade profissional, se adaptando a diversificadas expectativas dos estudantes. Há sempre uma vertente do turismo que se conecta à pretensão profissional de diversos perfis. Além das tradicionais áreas de atuação do turismólogo como hotelaria, agenciamento, transporte, serviços de entretenimento e eventos, outras funções podem ser desempenhadas por esses profissionais, como a gestão de recursos naturais e culturais de interesse turístico, hotelaria e recreação hospitalar, gestão de condomínios, clubes, espaços públicos e demais áreas de convívio, educação, pesquisa e capacitação profissional, entre outros. A formação multidisciplinar desenvolve nos estudantes competências múltiplas, com conhecimentos para atuar também em áreas não específicas do turismo.

 

6) A professora também é coordenadora do Nupem no campus de Campo Mourão. Qual é a importância da iniciação científica para os estudantes que estão cursando a graduação?

A participação no programa de iniciação científica se apresenta como uma importante oportunidade para os estudantes da graduação. Brevemente, vou elencar algumas vantagens para o estudante.

Como primeiro e mais importante ponto, considero a oportunidade de amadurecimento da capacidade analítica e exercício da autonomia intelectual de desenvolver uma pesquisa científica com qualidade, reconhecida institucionalmente e por relevantes agências de fomento à pesquisa, sob a orientação de um professor especializado na área.

Além da experiência profissional e das habilidades técnicas desenvolvidas durante a realização de uma pesquisa orientada, participar do Programa de iniciação científica é um importante diferencial no currículo profissional, visto que, por exemplo, no final de 2022 tínhamos apenas 58 alunos nos Programas de Iniciação Científica e de Iniciação ao Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, dentre os 1345 estudantes matriculados no campus. Todos os estudantes do Programa que manifestaram disponibilidade recebem bolsa de setecentos reais, o que auxilia na permanência na Universidade e na renda das suas famílias.

Há alguns anos, essas habilidades eram consideradas apenas em processos seletivos para professores, pesquisadores e candidatos nos programas de pós-graduação. Mas, não é apenas a comunidade acadêmica que valoriza participação do estudante de graduação nos programas de iniciação à pesquisa. Atualmente, o desenvolvimento de pesquisas é uma habilidade procurada por profissionais de todos os setores e níveis de gestão.

O dinâmico cenário atual exige profissionais com capacidade de selecionar informações de qualidade, analisar contextos complexos e apresentar respostas rápidas aos problemas cotidianos. Todas essas habilidades são desenvolvidas durante a realização de pesquisas científicas. Portanto, o profissional com perfil pesquisador é uma demanda do mundo do trabalho, nas diversas áreas de atuação, desde as funções operacionais até em cargos mais estratégicos. A ação baseada em pesquisa científica maximiza a probabilidade de acertos, e as respostas apresentadas por profissionais com esse perfil, tendem a ser mais eficientes.

Dessa forma, o profissional pesquisador tem sido valorizado em todas as áreas, para desenvolver as mais diversas funções, pois competição globalizada em todas as suas esferas exige a tomada de decisões subsidiadas em análises profundas e, muitas vezes, imediatas.