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PESQUISADORES DA UNESPAR – Entrevista com o Professor Doutor Bruno Flávio Lontra Fagundes

Pesquisa

por publicado: 23/11/2023 15h09 última modificação: 29/02/2024 10h15

O projeto “Pesquisadores da Unespar” tem como objetivo realizar uma série de entrevistas com pesquisadoras e pesquisadores da Unespar – campus de Campo Mourão, com o propósito de divulgar as pesquisas realizadas na instituição e debater temas relevantes para a sociedade. O entrevistado desta vez é o professor doutor Bruno Flávio Lontra Fagundes.

Graduado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, o professor Bruno Flávio Lontra Fagundes realizou mestrado em Estudos Literários e doutorado em História, na UFMG. Em 2013, realizou o Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente está vinculado ao Colegiado do curso de História na Unespar, ao Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA, no qual é coordenador, e ao Mestrado em História Pública – PPGHP.

É autor de artigos científicos publicados em revistas, capítulos de livro e livros. Orienta estudantes de mestrado no PROFHISTÓRIA e no Mestrado em História Pública. Participa ativamente em eventos científicos no Brasil e no exterior divulgando o resultado das suas pesquisas.  Atua como revisor de periódicos e de projetos de fomento. Na pesquisa se dedica as seguintes áreas: História, Literatura e Memória Cultural; História do Brasil República; Teoria e Filosofia da História; e Modernização de Linguagem de Textos de Época.

 

ENTREVISTA

 

1)         Em qual projeto de pesquisa o professor está envolvido atualmente? Quais são as possíveis contribuições científicas?

 

Atualmente o projeto de pesquisa que desenvolvo tem o título Histórias Públicas: controvérsias e debates impertinentes mas necessários. É sobre o campo da História Pública, um campo de conhecimento dentro da área de História ainda em processo de expansão/consolidação, com muita resistência interna na comunidade de profissionais de História, mas que, aos poucos, vai se firmando e conquistando adeptos. Minha pesquisa basicamente é ler e estudar textos de Língua Inglesa e traduzi-los, porque eu pesquiso a chamada “tradição anglo-saxã” da História Pública – que são textos de autores e autoras norte-americanos, ingleses, canadenses, australianos, finlandeses etc. As contribuições científicas, penso eu, são para a área da História, questionando a relação enclausurada dos cientistas da História consigo mesmos e firmando o princípio de que todos e todas têm e sabem história, com o que os historiadores profissionais têm de lidar. As contribuições vêm da relação de historiadores com outros públicos não especialistas em História e a atenção a ser dada a todos e todas aqueles (as) que têm passado e memória, valorizando as memórias e histórias tanto acadêmicas como não acadêmicas.

 

2)     A Literatura também é uma área de interesse de pesquisa do professor, cujos resultados já foram publicados em revistas cientificas. Qual é a relação entre a Literatura e a História nas suas pesquisas?

 

Esta não é com certeza uma resposta fácil. A história trata de realidades passadas, que são realidades pensadas, construídas, imaginadas a partir de documentos, de tudo e sobre tudo que ficou do passado. O costume é dizer que a História se faz com documentos, e que a literatura está dispensada disso, sendo só imaginação pura. Isto é um erro, porque toda literatura é também histórica. Como reconstruir o passado histórico tem um componente imaginativo de construção e como a literatura envolve personagens, situações, processos, como realidades também construídas, elas podem se ajudar. Mesmo que seja realidade fictícia feita sem documentos, mesmo assim a literatura pode auxiliar a história naquela construção da realidade histórica que existiu e que os historiadores fazem. Entre a literatura e a história há uma diferença: a História só existe por meio de documentos, mas na hora de narrar a realidade, a literatura pode entregar muito à história enredos de vida que são imaginados e nem tanto descobertos – como costumamos dizer que é coisa da história. E o historiador pode usar destes enredos literários para ajudar a reconstruir seu passado que por suposição é um passado que existiu. Além de tudo, a literatura também é histórica, e nenhuma literatura dispensa documentos e registros de sua época. A literatura também é documento de uma época, de um lugar, de um tempo.

 

3)  O professor realizou o doutorado com período sanduíche na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris. Como foi a experiência de estudar na França e o que ela agregou na sua formação?

 

Olha, vivi 9 meses em Paris estudando na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, mas fui orientado/supervisionado por uma professora de outra escola, a Escola Prática de Altos Estudos, a École Pratique des Hautes Études, a professora Anne-Marie Thiesse. Ela foi uma pessoa que fez uma grande diferença para mim, para minha tese, pela amizade, boa vontade e conhecimento, porque ela era uma autoridade internacional nos estudos de Nação, nacionalidade, nacionalismos, e também de Etnografia. Muitos (as) colegas brasileiros (as) que iam fazer doutorado sanduíche no estrangeiro – não sei se hoje é assim ainda - sempre reclamavam que nunca haviam encontrado com o orientador ou a orientadora. Nunca! Passavam às vezes 1 ano e nunca encontraram seu ou sua supervisor (a) Estes professores (as) são todos e todas muito estrelas intelectuais e deixavam muitos dos colegas que iam para o exterior “na mão”. Eu fui uma exceção, graças a deus, porque a Professora Anne-Marie me atendia sempre que eu precisava, me respondia e-mails sempre, me recebia na casa dela e, melhor de tudo, ela me orientava, além de leitura de textos, pedindo para assistir filmes, ir a exposições de museu, ir a festivais de Antropologia na praia – o que eu não conseguia ir, claro, porque ficava muito caro. Conseguia ir a Museus e Filmes, mas na praia ficaria caro. Além do que, em Paris tive oportunidade de consultar bibliotecas fantásticas, com exemplares de livros/textos do mundo todo, fora o acesso a portais internacionais de revistas. Além dos seminários e eventos que tive a oportunidade de assistir com muitos(as) personalidades que eram autores e autoras em meus textos, etc. A professora Anne-Marie Thiesse me fez descobrir a dimensão etnográfica do meu trabalho, porque eu estudei a construção da literatura de João Guimarães Rosa como um escritor que viajava pelo Brasil em busca de material literário nas realidades da vida sertaneja, e que, a partir daí, figurava o Brasil e uma cultura nacional brasileira em seus enredos literários. Nunca havia me passado pela cabeça que o que Guimarães Rosa houvesse sido etnógrafo. Dessa abordagem, a professora Anne-Marie me avisou, me alertou – o que me abriu muitas portas interpretativas. O que a Professora Anne-Marie fez de meu trabalho de tese agregou a ele uma abordagem do trabalho literário e das viagens etno-geo-literárias de Guimarães Rosa como um trabalho de um etnógrafo, algo que eu nunca tinha pensado. Foi uma experiência intelectual e de convívio muito legal, diria inesquecível. Fora, claro, uma história viva em Paris, um lugar com muito patrimônio que te faz sentir como que deslocado no tempo. Poder andar e passear nestes lugares acabam te ensinando alguma coisa. É muito incrível e foi assim para mim. 

 

4)  Atualmente o professor é o coordenador do PROFHISTÓRIA, um programa de mestrado que tem como objetivo a formação continuada de professores. Quais são os principais desafios para a qualificação dos professores de História que atuam na educação básica?

 

Sim, o professor que quiser continuar se formando, estudando, vem para o Profhistória, aqui em Campo Mourão, sem precisar ir a Maringá, Ponta Grossa e Curitiba, cidades onde têm Profhistória no Paraná. Sobre os desafios, o principal, a meu ver, é a dificuldade de professores conciliarem suas horas de trabalho na escola – que não são poucas e são bastante cansativas – com as quintas e sextas-feiras na universidade, nos dias do curso do Mestrado. Isto envolve deslocamentos e mais cansaço. O Estado do Paraná, inclusive, não estimula em nada os professores fazerem formação, não dão licença, cursos EAD valem tanto quanto cursos presenciais, estão informatizando tudo, não oferecem ascensão na carreira etc., e assim mesmo, profissionalmente, os professores vêm fazer o curso. Os desafios não estão em que eles não consigam acompanhar aulas por causa de defasagem intelectual, porque eles trazem um saber da experiência muito importante para nós da universidade. É uma grande troca. Mas os desafios são mais práticos mesmo, de deslocamentos para Campo Mourão, de falta de apoio governamental para fazer a formação, etc etc. No mais, para nós na universidade é desafiador ao mesmo tempo que realizador, quando vemos que, apesar de todas as adversidades, ainda assim mesmo conseguimos formar.

 

5)  Recentemente o projeto de doutorado do PROFHISTÓRIA foi aprovado pela CAPES. Trata-se do primeiro programa de doutorado na Unespar. Como ele contribuirá para a região de Campo Mourão?

Acho que o doutorado vai contribuir, acima de tudo, porque vamos oferecer para a região um curso que credenciará, com diploma de doutor, professores que ambicionam trabalhar em Ensino Superior, onde você só pode se efetivar se tiver doutorado – e se houver concursos também, claro. Penso que o Doutorado vai contribuir para a região de Campo Mourão porque imagino e espero que muitos professores que, há muito tempo, esperam doutorado, finalmente poderão ter uma formação de ponta. Temos sido solicitados por muitas pessoas, muitos egressos de nosso próprio mestrado, para contar sobre quando e como será o doutorado. Para Campo Mourão e região, o Doutorado favorecerá àqueles que querem um doutorado na área poderem fazer o curso com mais baixos custos, de maneira mais acessível, porque não precisarão de se deslocar para cidades mais distantes, como Maringá, Londrina, Ponta Grossa ou mesmo Curitiba. Do ponto de vista intelectual, todos têm condição de estarem num doutorado, se se prepararem bem e atenderem aos requisitos e condições feitas pelo exame de seleção. O doutorado do Profhistória em Campo Mourão, na UNESPAR, a meu ver deveria deixar orgulhosos a todos e todas mourãoenses.