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PESQUISADORAS DA UNESPAR: entrevista com a Professora Doutora Fabiane Freire França

Pesquisa

por publicado: 09/03/2023 08h17 última modificação: 29/02/2024 14h47

O projeto “Pesquisadores da Unespar” tem como objetivo realizar uma série de entrevistas com pesquisadoras e pesquisadores da Unespar – campus de Campo Mourão, com o propósito de divulgar as pesquisas realizadas na instituição e debater temas relevantes para a sociedade. No mês de março a entrevista será com a professora Fabiane Freire França.

A professora possui doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e integra o Colegiado de Pedagogia da Unespar, no campus de Campo Mourão. Também atua no Programa de Pós-graduação Sociedade e Desenvolvimento (PPGSED). Atualmente ocupa o cargo de Diretora de Direitos Humanos na Pró-Reitoria de Políticas Estudantis e Direitos Humanos. Já publicou 53 artigos científicos, cinco livros e 30 capítulos de livros. Orienta tese de doutorado, dissertação de mestrado, monografia de conclusão de curso e estudantes de iniciação científica.

Suas pesquisas estão direcionadas para o estudo da Educação em Direitos Humanos, Políticas de Direitos Humanos no Ensino Superior, gênero, diversidade, tecnologias digitais, novas tecnologias na educação, mídias na formação docente, entre outros temas. Participa ativamente em eventos de abrangência nacional e internacional. É líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Diversidade e Cultura – GEPEDIC.


ENTREVISTA

1) Professora  como foi a sua trajetória acadêmica até se tornar uma pesquisadora?

Agradeço imensamente a Divisão de pesquisa, em especial ao professor Fábio Costa, por me fazer este convite e me permitir retomar a trajetória acadêmica que tenho muito apreço e afeto. Sou nordestina, oriunda de uma família que nasceu e cresceu no sertão da Bahia, nas proximidades do município de Jequié. Meus pais estudaram até a 4ª série do Ensino Fundamental e por isso, quando tiveram oportunidade, se mudaram para Maringá-PR. Lembro-me muito da minha mãe dizendo que era a oportunidade que tinha para que os filhos estudassem. E foi com este empenho de meus pais que concluí o Ensino Médio e tive professoras que me incentivaram a prestar o vestibular na Universidade Estadual de Maringá. E desde as leituras durante o período de graduação em Pedagogia, aproveitei a oportunidade de ingressar no Programa de Iniciação Científica. Deparei-me com diferentes concepções e me descobri no campo da pesquisa. A primeira pesquisa que desenvolvi teve como objetivo investigar as imagens das mídias em relação às jovens mulheres e desde então passei a participar de eventos científicos e consequentemente me identifiquei com a trajetória acadêmica.

O curso de Pedagogia – e, especificamente, a pesquisa de iniciação científica – me possibilitaram uma visão problematizadora e questionadora do tema gênero, por outro lado, contudo, me inquietou a escassez de discussões e, sobretudo, de práticas de formação humana sobre o tema. Por isso resolvi tentar a seleção de mestrado, - cursado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM, no período de 2007 a 2009. Após a conclusão de minha pesquisa de mestrado, no ano de 2009, trabalhei como professora temporária na Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, hoje Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão.

Em 2010 fui aprovada em concurso público para a carreira docente na Unespar, e comecei a trabalhar como professora efetiva. Nesse contexto, a minha carreira se fortaleceu e meu engajamento na profissão ampliou, pois, além das atividades de ensino, pesquisa e extensão, tive oportunidade de assumir atividades administrativas e obter a gratificação pelo Exercício do Tempo Integral de Dedicação Exclusiva (TIDE), podendo, assim, ter maior disponibilidade na Instituição e me dedicar à pesquisa de doutorado e participar de eventos regionais, nacionais, internacionais, publicações de capítulos de livros, bem como em periódicos.

Devido a esta trajetória como pesquisadora atuei e atuo ainda como parecerista de artigos e resumos em eventos científicos, revistas, livros e outras categorias de trabalhos publicados; participei com colegas da Unespar na elaboração de pareceres técnicos; participei de conselhos municipais como representante da Unespar, campus de Campo Mourão, e também em bancas avaliativas de trabalhos de conclusão de curso da graduação, estágio da graduação, monografia da especialização, qualificação e defesas de mestrado e doutorado, bancas de ascensão de nível docente, dentre outras atividades.

Em consonância com os temas de pesquisa, em 2015 assumi uma função administrativa, a coordenação do Núcleo de Educação para as relações de Gênero (NERG). Em 2018 deixei o NERG e assumi a coordenação do Núcleo de Educação para as relações Étnico-Raciais (NERA), devido ao incentivo e parceria com o movimento estudantil da universidade. Em decorrência disso, em 2020 assumi a coordenação do Centro de Educação em Direitos Humanos da Unespar em Campo Mourão e devido a atuação em todas essas instâncias fui convidada a assumir o CEDH-Unespar, vinculado à PROGRAD, com atuações expressivas na defesa dos direitos humanos e das políticas públicas sociais. Estivemos em conjunto com a equipe que produziu documentos para a implantação da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Direitos Humanos da Unespar aprovada pelo COU em 2021.

Em 2015, oficializamos as ações do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Diversidade e Cultura (GEPEDIC/CNPq) com encontros quinzenais e pontes de extensão e oficinas voltadas às Educação Básica. As atuações do grupo nos possibilitaram interlocuções com outras universidades do Brasil, da Colômbia e da Itália, bem como a organização de um evento e duas coletâneas.

Em 2016 publiquei meu primeiro livro autoral, oriundo da minha pesquisa de mestrado, e tive a possibilidade de fazer o lançamento em eventos regionais e também no 13º Congresso Mundos de Mulheres (MM) – um encontro internacional e interdisciplinar de e sobre mulheres que aconteceu conjuntamente ao Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 (FG) em 2017.

Em 2018 me credenciei no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD/Unespar), e em 2019 ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PPE/UEM). Oriento duas pesquisas de mestrado e três de doutorado, com temáticas similares. Foi também em 2019 que fui convidada a assumir a vice-direção da Editora Fecilcam, tendo atuado, junto à equipe, na apreciação, indicação de pareceristas e publicação de e-books e obras contempladas em edital financiado pela Fundação Araucária.

As pesquisas que tenho desenvolvido e orientado estão articuladas ao referencial teórico dos Estudos Culturais, que tem sido espaço para discussões e teorizações sobre as culturas, bem como a construção de identidades baseadas no gênero, sexualidade, raça, etnia e relações de poder entre os indivíduos e os grupos culturais. Este referencial abrange uma multiplicidade de investigações em Educação, História, Teoria Feminista, Geografia, Antropologia e Sociologia, dentre outras, de modo interdisciplinar.

Finalizo esta resposta mostrando o quanto a pesquisa foi significativa para a minha trajetória acadêmica e pessoal. Aquela criança que chegou ao estado do Paraná com a possibilidade de estudar, um direito fundamental que sua mãe e seu pai não tiveram, encontrou na pesquisa as possibilidades de convidar tantas outras pessoas a trilharem os caminhos da pesquisa em uma defesa da educação em direitos humanos para que tantas outras famílias tenham conhecimento e acesso aos seus direitos.

 

2) Quais são os fatores que te motivam a trabalhar com pesquisa científica?

Esta questão me fez retomar um dos artigos que publiquei, na Revista NESEF, sobre as pesquisas em rede que tenho desenvolvido e orientado na graduação e na pós-graduação. Um dos exemplos são as produções de WebQuest com as turmas da graduação. Essa experiência tem nos propiciado, além de elaboração de uma website didática uma troca de saberes e de sensibilização com as narrativas do outro, das diferenças e da diversidade. A potencialidade das discussões apresentadas, por meio das WQ produzidas por estudantes, provocou a necessidade urgente do conhecimento científico para uma conscientização social. E entendi que este poderia ser um caminho de provocar o interesse pela pesquisa nas aulas.

De modo semelhante, as orientações de iniciação científica que tenho realizado elucidam um movimento de percepção do quanto o acesso ao conhecimento científico impacta as nossas práticas cotidianas e o nosso comportamento social. O referencial teórico que me ancoro, Estudos de Gênero, Teorizações freirianas e Teoria das Representações Sociais almeja uma educação que proponha ultrapassar os limites, pois busca romper com padrões dominantes e projetar os holofotes às pessoas que até então foram silenciadas por um sistema ainda muito patriarcal, racista, sexista e desumano.

Além disso, o grupo de pesquisa GEPEDIC, tem sido um canal para expandir essas discussões a outros espaços. Esse movimento possibilitou compreender como as mídias têm ocupado as nossas vidas, uma vez que o papel de ensinar deixa de ser atribuído apenas às escolas, afinal, os meios de comunicação também exercem o estatuto pedagógico. Tanto a família quanto a escola precisam desempenhar junto ao corpo docente meios de problematizar com este público os conteúdos dos vídeos, das redes sociais, dentre outros meios que são expostos. Sendo assim, precisamos criar espaços de diálogos com as crianças e jovens que potencializem sua capacidade crítica e reflexiva.

Ao considerar o contexto de divulgação de tantas informações falsas precisamos exercer ainda mais as práticas de pesquisas e de dialogicidade propostas por Freire para derrubar as fake news e problematizar o senso comum que desconhece a real função da educação. Para tanto, precisamos nos engajar com práticas que favoreçam a escuta de grupos que são silenciados por serem menos favorecidos economicamente e socialmente. E tem sido a pesquisa um espaço que me motiva a seguir.

O artigo que me referi se encontra na íntegra no seguinte link https://revistas.ufpr.br/nesef/article/view/83203

 

3) Comente, em linhas gerais, os principais pontos abordados pela sua pesquisa científica atual:

Por toda trajetória trilhada e os temas que tenho pesquisado e orientado a pesquisa que tenho desenvolvido tem como objetivo investigar as políticas de direitos humanos voltadas à formação no ensino superior, com ênfase na Universidade Estadual do Paraná. Compreendemos a Educação em Direitos Humanos (EDH) como uma formação continuada que deve contemplar a valorização das diferenças e respeito à dignidade humana. Como expresso por Vera Maria Candau (2012) pesquisadora da área, a EDH só é possível mediante a internalização sistemática de uma cultura de direitos humanos nas mentalidades individuais e coletivas. Nesse sentido, problematizamos: como a universidade promove ações voltadas à educação em direitos humanos? Como favorecer e potencializar ações de EDH no Ensino Superior? Por isso tenho mapeado as políticas públicas internacionais e nacionais que orientam as ações de EDH no Ensino Superior para o aprofundamento e a ampliação dos pressupostos teóricos que abordam o objeto de estudo. Consideramos que as ações voltadas à efetivação de uma EDH precisaram ser melhor articuladas junto às políticas estudantis. Em vista disso, o lócus da pesquisa será a Universidade Estadual do Paraná, com ênfase nas ações do Centro de Educação em Direitos Humanos e seus respectivos Núcleos, voltados à educação para as relações de gênero, étnico-raciais e de educação especial e inclusiva, bem como o apoio emocional e psicológico, tão necessários no contexto atual.

 

4) Quais são os caminhos para fortalecer e potencializar a Educação em Direitos Humanos?

Acredito que uma campanha sólida e constante de educação em direitos humanos seja capaz de sensibilizar e mobilizar as pessoas a dialogarem sobre o tema. A vivência na disciplina da graduação e nas orientações das pesquisas sobre o tema me possibilitou identificar que quando estudantes (ou mesmo pessoas participantes das pesquisas) entram em contato com estudos de casos sobre o tema e que quando se sentem pertencentes ao campo de estudo seu envolvimento é muito maior do que quando o conhecimento parecer ser algo externo ao seu cotidiano. Então, acredito que trazer as vozes, memórias e histórias da própria comunidade acadêmica pode fortalecer e potencializar a cultura sistemática de direitos humanos mencionada na resposta anterior.

 

5) Quais ações já foram implantadas na Unespar com relação aos Direitos Humanos?

A Resolução 007/2016 COU/UNESPAR criou, nos sete campi da instituição, os Centros de Educação em Direitos Humanos (CEDH Local) e os respectivos núcleos, Núcleo de Educação Especial Inclusiva - NESPI, o Núcleo de Educação para Relações Étnico-Raciais - NERA e o Núcleo de Educação para Relações de Gênero – NERG. Esses núcleos atuam para o desenvolvimento de ações educacionais especializadas, em conjunto com a Coordenação do CEDH. Desde a criação da Pró-Reitoria de Políticas Estudantis e Direitos Humanos, dezembro de 2021, os CEDHs trabalham com o apoio da Diretoria de Direitos Humanos/DDH e a Divisão de Direitos Humanos/DIDH em ações constantes voltadas à educação em direitos humanos.

Dentre as diversas ações realizadas pela PROPEDH temos o Programa de Apoio à Saúde e Bem-Estar Emocional - CEDH ACOLHE, com diferentes ações como o Apoio Psicológico, realizado por profissionais da área da Psicologia, o Grupo de Escuta Ativa conduzido por profissionais Psicanalistas, além de outras ações educacionais.

Na página da PROPEDH estão disponíveis documentos institucionais que expressam algumas das ações e políticas que garantem os direitos humanos. Os documentos institucionais importantes para a garantia de direitos estão disponíveis em: http://propedh.unespar.edu.br/assuntos/documentos

 

6) As Políticas de Ações Afirmativas instituídas nas universidades tem apresentado quais resultados?

As Políticas de Ações Afirmativas instituídas nas universidades tem apresentado uma universidade que representa a diversidade. Além dos relatórios anuais de cada CEDH e do relatório da própria comissão permanente de acompanhamento das políticas afirmativas na Unespar que legitimam este movimento diverso, o Fórum Estudantil que aconteceu em outubro de 2022 evidenciou um protagonismo estudantil com representatividade de pessoas negras, indígenas, trans, com deficiência. A Unespar mostra que tem vozes diversas e que representam a diversidade. Outros fatores que corroboram com os resultados das políticas de ações afirmativas são: a própria criação da Pró-Reitoria de Políticas Estudantis e Direitos Humanos e a força que esta consolidação institucional contribuiu para a aprovação, por unanimidade, do Regulamento Conjunto 001/2022 PROPEDH/PROGRAD/PRPPG que dispõe os procedimentos para o desenvolvimento do Plano Educacional Individualizado (PEI) para estudantes com deficiência, altas habilidades/superdotação e transtornos funcionais específicos, nos cursos de graduação e pós-graduação da Unespar.

O PEI é um recurso pedagógico que busca dar atenção individualizada aos estudantes a fim de otimizar o processo de ensino e aprendizagem por meio da identificação, do planejamento de estratégias didático-pedagógicas e de avaliações que visem promover acessibilidade curricular. Outro fator refere-se a contratação de profissional de Atendimento Educacional Especializado (AEE) nos campi que tem como função apoiar o processo pedagógico, averiguar e elaborar recursos acessíveis para estudantes com necessidades especiais. Houve ainda a contratação de intérpretes de libras, bem como a padronização de fluxos para a realização de bancas de heteroidentificação, dentre várias outras ações que podem ser acompanhadas pela página da PROPEDH.

 

7) Na sua avaliação quais são os retornos que os investimentos em pesquisa podem trazer para o país?

São diversos os retornos, mas o que mais impacta a vida das pessoas é o acesso aos direitos fundamentais. O acesso ao conhecimento e à pesquisa me possibilitou quebrar um ciclo social exibido no curta metragem “Vida  Maria” (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4). Minhas ancestrais não tiveram o acesso que eu tive à educação e à pesquisa, mas quando eu me tornei pesquisadora eu decidi pesquisar o tema de gênero e de direitos humanos justamente para poder trabalhar em rede e convidar outras pessoas a lutar pela garantia dos direitos fundamentais a todas e todos. O investimento em pesquisa me possibilitou chegar onde estou, pois a bolsa de fomento da CAPES que recebi no mestrado e doutorado foram cruciais para que eu conseguisse me manter no programa de pós-graduação. Como pesquisadora me proponho a retornar todo este investimento em orientações de outras pesquisas que possam garantir a tantas outras marias, miralvas, fabianes, lívias e tantas outras mulheres o direito fundamental à educação, à saúde, à moradia, a trabalho, etc.

 

8) Quais dicas a professora daria para os jovens interessados em se tornar um(a) pesquisador(a).

Sejam corajosas, sejam corajosos, tenham curiosidade e criatividade. Não desistam, as pedras fazem parte do caminho, mas se tem algo que ninguém nunca poderá tirar de você é o seu conhecimento.

Nas orientações as(os) estudantes sempre me relatam que após um ano de pesquisas e leituras de seus objetos de estudo já não conseguem mais olhar para uma notícia, um comentário, um texto, uma reportagem ou uma postagem nas mídias sem uma percepção e análise crítica. Disseram que a pesquisa exige compromisso e dedicação e como resultado os posicionamentos preconceituosos não são mais vistos como naturais ou aceitáveis. E é esse um dos recados deixados por Paulo Freire (1997, p. 59) “estudar exige disciplina. Estudar não é fácil porque estudar é criar e recriar e não repetir o que os outros dizem. Estudar é revolucionário!”. Essa revolução sugerida por Freire é a dica que deixo para vocês. (Relato disponível no artigo publicado https://revistas.ufpr.br/nesef/article/view/83203)